Hoje é dia qualquer coisa de Fevereiro. A data exacta não importa, nem “tampouco” a hora. É de noite, o céu lá fora está escuro, algumas estrelas brilham pelo meio das nuvens. Talvez chova, não sei; os serviços de meteorologia fizeram as suas previsões, mas eu não costumo fiar-me nelas. Aqui no café está a passar uma música calma, misturada com as vozes das conversas à minha volta. Já bebi dois cafés e passei os olhos pelo jornal enquanto espero por ela.
Ontem estive a ver “Descobrindo Forrester”, um filme ternurento. É a segunda vez que o vejo, mas só desta vez me apercebi de algo. Uma coisa que já tinha reparado da primeira vez mas que só ontem me fez um “click” cá dentro. Há uma dada altura do filme em que a personagem principal, William Forrester, um escritor de sucesso que publicou apenas um único livro, se vira para o pupilo que acolheu em sua casa e lhe diz: “The trick of successful writing is to start writing. Do not think, just feel and write(…)!”
E assim o estou a fazer. Comecei a escrever, sem objectivo, sem ideias definidas, apenas escrever pelo prazer de escrever. Não estou a pensar. Observo, sinto e escrevo.
À medida que vou escrevendo, mais sentimentos vão surgindo. Há uma certa tranquilidade que me preenche no meio deste processo, apesar da rabugice com que estava.
Sim, é verdade, eu estava rabugento. Porquê? Porque sim. Porque durante a tarde dormitei um pouco, sentado no sofá. A televisão ligada passava um documentário qualquer, a minha mãe navegava pela net com a minha avó, lendo notícias e comentando no seu estilo muito próprio.
Levantei-me antes do despertador do telemóvel tocar, despedi-me delas e saí meio atabalhoado. Entrei no carro, segui o meu ritual de pôr o cinto, liguei o rádio e arranquei. Segui pela auto-estrada, desvio-me de outros carros com condutores cujas atitudes são menos cívicas e quando estava quase a chegar ao meu destino, apercebo-me que deixei o telemóvel e o tabaco no sofá.
Rabuja, rabuja, rabuja.
Voltei para trás, fui novamente a casa da minha mãe, e lá estava, imóveis, em cima da almofada.
A minha avó já dormia uma sesta enquanto eu explicava à minha mãe o sucedido.
Despedi-me novamente e fiz o mesmo percurso de volta para Lisboa. Estava com uma certa pressa, não queria chegar atrasado. DETESTO chegar atrasado, detesto esperar e fazer os outros esperar. Muito menos gosto de fazer a minha mulher esperar. Por estranho que possa parecer, apesar de não gostar de esperar, não me importo nada de esperar por ela. A não ser que haja uma hora de encontro previamente combinada e bem definida. E mesmo assim imprevistos podem surgir e eu espero pacientemente.
Quando estava a chegar ao meu destino, ainda tive que me desviar de um carro e acabei por ser insultado pelo condutor, que por acaso (só por acaso) até vinha em sentido contrário. Fiquei irritado, refilei para o ar e segui caminho. Pois que não podia dirigir a minha rabugice à pessoa certa, o fulano já tinha arrancado com os pneus a guinchar.
Estacionei o carro e vim até ao café. Pelo caminho recebo o telefonema da minha mulher. Lembro de me sentir quentinho, a sua voz é como música para os meus ouvidos. Estava a contar-me as peripécias do seu dia e eu deliciado com a voz dela. Avisou-me que ia demorar um pouco mais porque tinha surgido um imprevisto. Lá está, são coisas que podem acontecer. Disse-lhe que não havia pressa, para ela resolver as coisas com calma e para esquecer que eu estava ali à espera. Não queria que ela estivesse a fazer as coisas sob pressão.
E assim, sentei-me calmamente no café a escrever, a observar o ambiente e eis que ela chegou.